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Algumas pessoas poderão torcer o
nariz, arquear as sobrancelhas, fazer cara de quem viu algo muito estranho, mas
sim, Ezequiela existe. Muito bem, é
usado de modo muito esparso em português e espanhol, mas é usado. Então, se há uso
e legitimidade, cá estamos com ele.
Como é bastante óbvio, Ezequiela é uma elaboração feminina a
partir de Ezequiel, que tem origem no
nome hebraico יְחֶזְקֵאל
(Yechezqel ou Y'khizqel) que significa "Deus
fortalece". No contexto bíblico, Ezequiel é um
profeta do Antigo Testamento, o autor do livro de Ezequiel. Ele morava em Jerusalém até a conquista da Babilônia e
cativeiro de Israel, momento em que ele foi levado para a Babilônia.
O livro de Ezequiel descreve
suas visões simbólicas vívidas que preveem a restauração do Reino de Israel.
Como um nome dado no mundo anglófono, Ezequiel tem sido usado desde a Reforma
Protestante. Assim, sendo Ezequiela
mantém o mesmo significado, assim como Emanuel e Emanuela, e torna-se uma opção
em termos de nome bíblico, feminino, com significado potente e interessante.
No Brasil, Ezequiela é um nome extremamente raro, mas não ausente. São 87
pessoas ao todo com esse nome, em todo o Brasil, num período que compreende 80
anos de 1930 a 2010, conforme dados coletados pelo IBGE e compilados na
Ferramenta virtual Nomes no Brasil, baseada no Censo 2010. Desse total, 27
foram registradas nos anos 90. E ainda, 26 delas são gaúchas.
Como não podia deixar de ser,
temos 69 pessoas chamadas Ezequiele, a maioria nascida nos anos 90, e com
destaque para o Paraná. Ainda, 20 pessoas sustentam a grafia Ezequieli.
Em termos de referências, tudo o
que achamos foram perfis no Facebook e em outros sites de contatos
profissionais. Algumas delas, contudo, são de outros países hispânicos da
América do Sul. Em italiano, temos as formas femininas Ezechiela e Ezechiella,
mas essas versões, escritas desse modo, não computam registros nos dados do
IBGE. Para quem gosta da escrita italiana, eis uma opção.
Contudo, há que se observar que Ezechiele em italiano é um nome
masculino, que pode vir com a variante Ezechiello, mas predominantemente é
usado na primeira grafia.
De qualquer modo, Ezequiela me parece um nome
equilibrado. A terminação em –ela, tao comum em nomes femininos, dá a sensação
de familiaridade necessária para que a gente não adquira aversão imediata e automática
ao nome. Contudo, essa familiaridade e docilidade não fica exagerada, de modo
que logo concordamos que é um nome para não esquecer: forte, marcante e
exclusivo.
Aqui vai um texto de Mia Couto, que menciona o nome Ezequiela:
EZEQUIELA,
A HUMANIDADE
Um certo moço
apaixonou-se por uma moça, de cujo nome Ezequiela. O jovem se designava de
Jerónimo. Foi amor de anel e altar. Em prazo fulminante ajuntaram destinos, ele
e ela, os dois e ambos.
Até que certa
manhã Jerónimo acordou e deparou com outra mulher em seu leito. Era uma branca,
de longos cabelos loiros. Ele cismalhou: quem é esta? onde está minha mulher? E
chamou:
- Ezequiela!
A moça branca
despertou, assustada com o grito, e respondeu:
- Que foi, meu
amor?
E ele: que meu
amor, que meio amor. Afinal, quem era ela e como se explicava ali, em pleno
leito de outrens?
- Mas eu sou Ezequiela.
Sou a sua mulher, Jerónimo.
Ele riu-se,
incapaz de tudo.
- Como, se você
é branca retinta e minha mulher é negra? Como, se os cabelos…
- Se acalme,
Jerónimo: eu lhe explico.
E explicou. Que
ela era assim mesmo, mudava de corpo de cada vez em quando. Ora de um tamanho,
ora de uma cor. E ora bela, ora feia. Actualmente, branca e posteriormente,
negra. Que ela se convertia, vice-versátil.
- Você me ama,
assim como sou?
- Como você é,
como?
O problema
sendo mesmo esse, o da identidade exacta dela mesma, a autenticada Ezequiela.
E ele, pesaroso, meneou a cabeça:
- Não posso.
Você não é aquela que eu casei.
Ezequiela
lhe propôs então que, simplesmente, eles se deixassem em vida de casal, por
baixo de um igual tecto. E que deixassem vir o porvir. E assim foi. De modos
que ocorreu que, uma noite, Jerónimo tricotou seus dedos pela seda dos cabelos
dela. E os dedos se deliberaram por mais corpo dela, até se atreverem por áreas
recatadas. E se amaram e, de novo, recomeçaram o enlace.
Já se habituara
ao desbotado dela, à lisura de seus cabelos, quando uma noite Ezequiela
acordou esquimó, peles amareladas, olhos repuxados em ângulo e esquina. E, numa
outra vez, ela se indianizou, pele aperdizada, cabelos azevichados.
Mas,
estranhamente: ela sempre ela, sempre Ezequiela. E Jerónimo a foi
aceitando, transitável mas intransmissível. No início, lhe custava esse acerto
e reacerto. Mas depois até encontrou gosto nesse jogo de reencorpagem. E amava
todas as formas, volumosas, translíneas, tamanhosas ou reduzidas. Até dava
jeito: ele era o polígamo mais monógamo do universo.
Mia Couto, “Ezequiela,
a humanidade”, in Na Berma de Nenhuma Estrada e Outros Contos, Ed. Caminho,
2001. (excerto)
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