sexta-feira, 15 de julho de 2016

Kaluanã

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Kaluanã   é um nome masculino de origem tupi-guarani considerado como significando “guerreiro” ou “grande guerreiro”. Olhando de primeira, parece um nome feminino, principalmente se considerado sem o acento final, sem o qual ele perde a semelhança com Cauã. Mas é um nome completamente masculino, por incrível que pareça.

Kaluana ou Kaluanã é um lutador de uma lenda da tribo kamaiurá. Os Kamaiurá ou camaiurá – são uma tribo indígena tupi que vive na região dos formadores do Xingu, entre a lagoa Ipavu e o rio Culuene (MT).

Kaluanã é um nome oriundo do tronco gramatical Tupi, da família Tupi-guarani que significa “Grande Guerreiro” ou o “Grande Guarani”. Técnica, garra, ausência de medo faziam com que os nobres Guaranis, ultrapassassem seus limites, tonando-se assim o Kaluanã. Compartilho aqui uma das lendas sobre o guerreiro Kaluanã:


‘’KALUANÃ E IÇAIARA

Kaluanã era o filho do cacique e o melhor caçador da sua tribo. Era silencioso e ágil, forte e inteligente. Conhecia todos os ruídos dos animais da floresta, desde os gritos das aves coloridas até ao pisar macio do jaguar, que anda roçando levemente o corpo na folhagem densa. Nem o mais astucioso predador o surpreenderia sem aviso.

Kaluanã também conhecia o vento, e a forma como este transporta e confunde os perfumes da selva, o seu odor e o odor da sua presa. Sabia a que cheiram as plantas boas, as comestíveis e as medicinais, e recuava diante da fragrância praticamente imperceptível das malignas, sem se deixar iludir pelo seu viço.

Kaluanã tinha a visão de uma ave de rapina. Podia seguir o voo de um pássaro na distância, ou encontrar um pequeno macaco nas copas altas e cerradas, ou até perceber as tonalidades subtis que distinguem um inseto da casca da árvore onde se camuflou. A sua seta era exata e mortífera.

Rodeado de tudo aquilo de que precisava, Kaluanã não conhecia a fome ou o temor do futuro. Em cada novo dia, levava da floresta o alimento da sua família e deixava na floresta o que lhe sobraria. Kaluanã podia dizer com orgulho que era verdadeiramente um homem, um guerreiro sem medo da morte e um caçador igual aos maiores que alguma vez cruzaram a densa mata. A tribo admirava-o e os meninos sonhavam crescer como ele.

Mas Kaluanã tinha um medo secreto, inconfessável, dilacerante.

Quando Kaluanã nascera, o conselho de parentes e vizinhos reunidos para o nomear não conseguia chegar a acordo. Convocado o transe do feiticeiro da tribo, a resposta dos espíritos não se fez esperar: dentro do recém-nascido não existia uma, mas duas almas gémeas, uma masculina e uma feminina. Horrorizado, o pai decidira chamar-lhe Kaluanã, que significa o Grande Guerreiro, e declarara que apenas uma alma, a do menino, podia viver no seu filho. Da irmã gémea nada mais se diria, a não ser que o seu nome seria Eçaiara, ou Aquela Que Foi Esquecida.

Apesar de proibida, a mãe de Kaluanã contara-lhe toda a história quando ele atingira a idade adulta, e assim ele pudera finalmente conhecer o nome daquela com quem dividia um só corpo. Porém, perdida a inocência da infância, a vergonha do segredo que carregava passou a devorá-lo por dentro. Kaluanã temia que qualquer gesto seu, um olhar, uma palavra, o pudesse trair, expondo a sua natureza feminina aos olhos de todos. Esforçou-se por ser o mais forte, o mais rápido, o mais duro. Era ríspido com a mulher, nunca brincava com os filhos e mantinha-se longe de todas as tarefas femininas.

Mas na floresta, enquanto caçava sozinho, sentia-a erguer-se dentro de si. Ela estava lá quando a brisa trazia os seus aromas, e quando Kaluanã se ajoelhava junto da presa caída por terra ela estava ao seu lado. Nas noites de lua cheia ela crescia no seu interior, ocupando todo o espaço livre, fazendo com que o coração lhe parecesse prestes a rebentar no peito e os olhos se enchessem como as marés.

Incapaz de o suportar por mais tempo, Kaluanã procurou o feiticeiro da tribo e suplicou-lhe que o livrasse de tão grande tormento, arrancando Eçaiara das suas entranhas. Tal não era possível, disse o feiticeiro; Eçaiara apenas podia ser adormecida, lançada num sono longo e profundo. O preço, no entanto, era elevado. Kaluanã não hesitou, e afirmou-se disposto a pagar a sua paz com tudo o que tinha. Então, o feiticeiro, com o coração pesado, deu-lhe a beber a sua poção, que era doce, aromática e inebriante como as flores venenosas da floresta, quando abrem as pétalas coloridas e orvalhadas ao sol da manhã.

De início, Kaluanã não sentiu nada. Mas aos poucos, à medida que passavam os dias, e depois as luas, e depois as estações, Kaluanã começou a compreender que estava finalmente sozinho quando caçava na floresta ou quando adormecia na sua rede iluminada pela lua. Sentiu-se forte como nunca, e soube então que era um guerreiro e um caçador digno da sua estirpe.

Kaluanã aprendera as artes da emboscada e do arco com o seu pai, e fora instruído no domínio dos artifícios da floresta pelos melhores caçadores da tribo. Sabia encontrar e seguir a pista de qualquer homem ou animal, e conhecia intimamente os hábitos das criaturas do mato. Por isso, continuava a trazer abundante caça e pesca das suas incursões. Mas agora algo havia mudado.

Os gritos dos animais não lhe soavam com a mesma clareza, e os cheiros que o vento trazia chegavam-lhe ténues e confundidos. As bagas venenosas pareciam ter perdido o brilho demasiado evidente que até então fazia soar um alarme dentro de si, e por vezes as ervas e os cogumelos mortais eram quase impossíveis de distinguir dos restantes. Os sinais subtis de mudança do tempo chegavam-lhe mais tarde do que habitualmente. A natureza parecia tornar-se cada vez mais opaca aos seus sentidos. Lembrando-se bem das lições que recebera, Kaluanã conseguia conservar o seu estatuto na tribo, mas tudo agora lhe parecia muito mais árduo e cansativo. A floresta fechava-se devagar em torno de si.

Então, Kaluanã passou a usar muito mais vezes a faca com que cortava o mato. Colocava demasiado veneno na ponta das zagaias, e começou a caçar mais animais do que a família podia comer num dia, porque crescia nele o medo de não conseguir uma presa amanhã. Lentamente, a floresta surgia-lhe como inimiga, e Kaluanã só pensava em formas de a vencer. Inventou redes e armadilhas, primeiro pequenas, depois capazes de aprisionar vários animais de uma vez. Abriu as primeiras picadas que a selva conhecera, e deitou abaixo árvores de cuja madeira não precisava, para rasgar aquilo que agora lhe parecia ser um mato sombrio e impenetrável.

Na aldeia, só o velho feiticeiro assistiu às mudanças com tristeza. As invenções de Kaluanã, feito cacique da tribo, a sua impetuosidade e a novidade das suas estratégias deslumbraram homens, mulheres e crianças. Em pouco tempo, toda a face da floresta conhecida havia mudado. Ribeiros eram desviados para alimentar as plantações das clareiras roubadas ao que antes era bosque frondoso; árvores eram derrubadas para se fazerem acessos rápidos; animais eram caçados e pescados em massa, porque era fácil fazê-lo. Toda a tribo esqueceu o que era estar na floresta como um ser da floresta. Não é necessário conhecer aquilo que se pode submeter pela força.

E Kaluanã também esqueceu Eçaiara”

Fonte: Xamanismo.

Na lista da Arpen/SP (2015), há um registro de Kaluanã, assim como um de Kaluan e outro de Kalu, mas desse último, não faço ideia se é menino ou menina.

Kaluanã não chega a ser um nome estranho, mas com certeza é bem exótico, e tem algo nele de ambíguo, talvez um pouco de algo feminino que não consigo precisar onde e por que me escapam. Talvez, por que, sem acento, ele daria um nome feminino daqueles terminados em “ana” dos mais triviais (Kaluana = até parecido com Luana). Curiosamente, exatamente como nos diz a lenda acima: um só corpo que compartilha uma alma feminina e outra alma masculina. 


É um daqueles nomes indígenas que não são conhecidos nem habituais, e exigem ousadia, personalidade e excentricidade de quem vai escolhe-lo e depois, de quem vai usá-lo. Mas considero uma excelente opção em termos de nomes indígenas masculinos. 


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