Nanine, Naniné ou Niâni são
versões do mesmo nome usadas na literatura para exprimir uma antiga lenda
guaicuru. Nanine é a forma como o
nome é transcrito no manuscrito História dos Índios Cavaleiros (1975), de
Rodrigues do Prado, onde a lenda é contada em prosa. No texto de Rodrigues do
Prado, o nome foi transcrito como Nanine,
eis o trecho:
“Desde então cobriu-se Nanine de uma mortal melancolia, sendo seus olhos sempre chorosos.
Assim se passaram três meses, quando um dia, estando deitada na sua rustica
cama, lhe deram a notícia que seu desleal marido se tinha casado com uma
rapariga de menor esfera. Senta-se então Nanine
na cama, como arrebatada, chama para junto de si um pequeno índio que era seu
cativo, e diz-lhe na presença de vários antecris: “És meu cativo; dou-te a
liberdade, com a condição de que te chamarás toda a vida Panenioxe”. Então seus
olhos deixaram correr dilúvios de lagrimas pelas suas tristes faces, que ela
envergonhada quis ocultar, mas o amor ofendido não o permitia. Parece que esta
violenta contenda de duas poderosas paixões lhe motivou uma febre ardente, com
a qual ao outro dia perdeu a vida”.
Já Niâni foi a forma usada por Machado de Assis para contar essa mesma
lenda em forma de poesia. O cuidado com as notas adicionais no final do volume
indica o aparato de pesquisa linguística e antropológica que fez Machado de
Assis, sobretudo a respeito de costumes e da língua indígena. Após ser
consultado pelo autor, Alfredo d’Escragnolle Taunay, responde qual seria o nome
mais adequado para a futura heroína guaicuru das Americanas:
“Depois de nossa conversa última pensei qual
podia ser o verdadeiro nome que deve ter a sua heroína Guaicuru. A tradição em
que você se funda dá Naniné. Pois bem, o vocábulo legítimo e que servia de
apelido a algumas mulheres guaicurus é Nianni (niãni), que quer dizer – criança
fraca, débil”.
Assim, Machado de Assis coloca
numa nota da primeira edição e demais publicações do seu livro “Americanas”:
“Nanine
é o nome transcrito na História dos Índios Cavaleiros (1975). Na língua geral
temos Niâni, que Martius traduz por
infans. Esta forma pareceu mais graciosa; e não duvidei adotá-la, desde que o
meu distinto amigo, Dr. Escragnolle Taunay, me asseverou que, dialeto guaicuru,
de que ela há feito estudos, Niâni
exprime a idéia de moça franzina, delicada, não lhe parecendo que existia a
forma empregada na monografia de Rodrigues Prado”.
Sendo assim, tendo como base a
pesquisa desses dois autores, podemos dizer que Nanine, Naniné ou Niâni
significa “criança fraca”, “criança débil”, na língua guaicuru. Lembrando que o
termo guaicurus remete aos grupos indígenas cujas línguas pertencem à família linguística
guaicuru. Eram famosos por serem uma tribo guerreira que se utilizavam de
cavalos para as caçadas e ataques. Migraram para o território brasileiro, na
região dos estados do Mato Grosso do Sul e Goiás, fugindo da colonização na
região do norte do Paraguai. Por isso Rodrigues do Prado chamou seu livro de “História
dos Índios Cavaleiros”. Abaixo, a transcrição do poema Niâni:
NIÂNI
(Machado de Assis)
(HISTÓRIA GUAICURU)
I
Contam-se histórias antigas
Pelas terras de além-mar,
De moças e de princesas,
Que amor fazia matar.
Mas amor que entranha n’alma
E a vida soí acabar,
Amor é de todo o clima,
Bem como a luz, como o ar.
Morrem dele nas florestas
Aonde habita o jaguar,
Nas margens dos grandes rios
Que levam troncos ao mar.
Agora direi um caso
De muito penalizar,
Tão triste como os que contam
Pelas terras de além-mar.
II
Cabana que esteira cobre
De junco trançado a mão,
Que agitação vai por ela!
Que ledas horas lhe vão!
Panenioxe é guerreiro
Da velha, dura nação.
Caiavaba há já sentido
A sua lança e facão.
Vem de longe, chega à porta
Do afamado capitão;
Deixa a lança e o cavalo,
Entra com seu coração.
A noiva que ele lhe guarda
Moça é de nobre feição,
Airosa como ágil corça
Que corre pelo sertão.
Amores eram nascidos
Naquela tenra estação
Em que a flor que há de ser flor
Inda se fecha em botão.
Muitos agora lhe querem,
E muitos que fortes são;
Niâni ao melhor deles [10]
Não dera o seu coração.
Casá-los agora, é tempo;
Casá-los, nobre ancião!
Limpo sangue tem o noivo,
Que é filho de capitão.
III
“— Traze a minha lança, escravo,
Que tanto peito abateu;
Traze aqui o meu cavalo
Que largos campos correu”.
“— Lança tens e tens cavalo
Que meu velho pai te deu;
Mas aonde te vais agora
Onde vais, esposo meu?”
“— Vou-me à caça, junto à cova
Onde a onça se meteu...”
“— Montada no meu cavalo
Vou contigo, esposo meu.”
“— Vou-me às ribas do Escopil
Que a minha lança varreu...”
“— Irei pelejar na guerra,
A teu lado, esposo meu.”
“— Fica-te aí na cabana
Onde o meu amor nasceu.”
“— Melhor não haver nascido
Se já de todo morreu”.
E uma lágrima, — a primeira
De muitas que ela verteu, —
Pela face cobreada
Lenta, lenta lhe correu.
Enxugá-la, não a enxuga
O esposo que já perdeu,
Que ele no chão fita os olhos,
Como que a voz lhe morreu.
Traz o escravo o seu cavalo
Que o velho sogro lhe deu;
Traz-lhe mais a sua lança
Que tanto peito abateu.
Então, recobrando a alma,
Que o remorso esmoreceu,
Com esta dura palavra
À esposa lhe respondeu:
“— A bocaiúva três vezes
No tronco amadureceu,
Desde o dia em que o guerreiro
Sua esposa recebeu.
Três vezes! Amor sobejo
Nossa vida toda encheu.
Fastio me entrou no seio,
Fastio que me perdeu.”
E pulando no cavalo,
Sumiu-se... desapareceu...
Pobre moça sem marido,
Chora o amor que lhe morreu!
IV
Leva o Paraguai as águas,
Leva-as no mesmo correr,
E as aves descem ao campo
Como usavam de descer.
Tenras flores, que outro tempo
Costumavam de nascer,
Nascem; vivem de igual vida;
Morrem do mesmo morrer.
Niâni, pobre viúva,
Viúva sem bem o ser,
Tanta lágrima chorada
Já te não pode valer.
Olhos que amor desmaiara
De um desmaiar que é viver,
O choro empana-os agora,
Como que vão fenecer.
Corpo que fora robusto
No seu cavalo a correr,
De contínua dor quebrado
Mal se pode já suster.
Colar de prata não usa,
Como usava de trazer;
Pulseiras de finas contas
Todas as veio a romper.
Que ela, se nada há mudado
Daquele eterno viver,
Com que a natureza sabe
Renascer, permanecer,
Toda é outra; a alma lhe morre,
Mas de um contínuo morrer,
E não há mágoa mais triste
De quantas podem doer.
Os que outrora a desejavam,
Antes dela mal haver,
Vendo que chora e padece,
Rindo se põem a dizer:
“— Remador vai na canoa,
Canoa vai a descer...
Piranha espiou do fundo
Piranha, que o vai comer.
Ninguém se fie da brasa
Que os olhos vêem arder,
Sereno que cai de noite
Há de fazê-la morrer.
Panenioxe, Panenioxe,
Não lhe sabias querer.
Quem te pagara esse golpe
Que lhe vieste fazer!”
V
Um dia, — era sobre tarde,
Ia-se o sol a afundar;
Calumbi cerrava as folhas
Para melhor as guardar.
Vem cavaleiro de longe
E à porta vai apear.
Traz o rosto carregado,
Como a noite sem luar.
Chega-se à pobre da moça
E assim começa a falar:
“— Guaicuru dói-lhe no peito
Tristeza de envergonhar.
Esposo que te há fugido
Hoje se vai a casar;
Noiva não é de alto sangue,
Porém de sangue vulgar”.
Ergue-se a moça de um pulo,
Arrebatada, e no olhar
Rebenta-lhe uma faísca
Como de luz a expirar.
Menino escravo que tinha
Acerta de ali passar;
Niâni atentando nele
Chama-o para o seu lugar.
“— Cativo és tu; serás livre,
Mas vais o nome trocar;
Nome avesso te puseram...
Panenioxe hás de ficar.”
Pela face cobreada
Desce, desce com vagar
Uma lágrima: era a última
Que lhe restava chorar.
Longo tempo ali ficara,
Sem se mover nem falar;
Os que a vêem naquela mágoa
Nem ousam de a consolar.
Depois um longo suspiro,
E ia a moça a expirar...
O sol de todo morria
E enegrecia-se o ar.
Pintam-na de vivas cores,
E lhe lançam um colar;
Em fina esteira de junco
Logo a vão amortalhar.
O triste pai suspirando
Nos braços a vai tomar,
Deita-a sobre o seu cavalo
E a leva para enterrar.
Na terra em que dorme agora
Justo lhe era descansar,
Que pagou foro da vida
Com muito e muito penar.
Que assim se morre de amores
Aonde habita o jaguar,
Como as princesas morriam
Pelas terras de além-mar.
Ocasionalmente, prefiro a versão Niâni. Acho Nanine demasiadamente parecido com o sobrenome Nanini (como por
exemplo, do ator Marco Nanini), e Naniné
também soa igualmente estranho pela repetição de silabas com a letra “N”.
Niâni é interessante em vários sentidos, e inclusive, aparentemente os pais
brasileiros também pensaram assim: No Nomes no Brasil, plataforma do IBGE
baseada no Censo 2010, Niâni tem 31 registros (todos femininos) enquanto as
outras versões não tem nenhuma.
Poderíamos supor que os 31
registros desse raro nome tenham sido inspirados na obra de Machado de Assis, e
posso assegurar que ainda hoje seria uma excelente escolha, com maravilhosas conexões
literárias.
.
Meu nome é Iá Niani. Meu pai conta que nao se inspirou exatamente na lenda dos Guaicurus ou no poema de Machado de Assis pra criar meu nome, mas essa é uma das histórias que gosto de contar aos curiosos. Obrigada pela postagem.
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